sábado, setembro 30, 2006

E o meu voto vai para...

Há certos dados que, mesmo verdadeiros, mas colocados fora de contexto, tornam-se extremamente mentirosos, ou pelo menos muito tendenciosos. Estou falando de política e, mais uma vez, do governo Lula.

Pois bem: o governo tenta cravar alguns dados em sua propaganda como se fossem exclusivamente seus. É o famoso “nunca antes na história deste país”.

Os dados referentes à economia são os mais judiados. Lula se vangloria de dizer que a economia vai muito bem (só se for para os banqueiros ou para quem já tem muita grana), mas o país cresce na mesma taxa do governo de FHC. Só que o governo FHC tem o trunfo de ter elaborado o Plano Real (duramente criticado pelos petistas) e ter arrumado minimamente a economia, acabando com o “fantasma da inflação” e fazendo com que o Brasil ganhasse mais confiança no mercado financeiro.

O contexto internacional é extremamente favorável ao governo Lula; o governo FHC atravessou pelos menos duas grandes crises (russa e asiática). Mas ambos os governos criticam o que fazem, o que torna a crítica surreal: aumentaram a carga tributária e mantiveram uma política de juros altos. Em algum momento do governo tucano, os juros chegaram a incríveis 40%. (Um detalhe: fica impossível classificar estes governos como “neoliberais”.)

Os bancos devem estar extremamente gratos ao governo Lula, que lhes deu mais lucro em três anos do que em 8 do governo FHC. De seis em seis meses, já nos acostumamos a ver as notícias: “Bradesco bate recorde histórico de lucro” ou “Itaú bate recorde histórico de lucro”.

Se no governo Lula a economia se mostra estável e o risco-país atingiu o patamar mais baixo da história, é porque Lula simplesmente manteve a mesma linha do governo anterior; fazendo o contrário do que pregava, aliás. Até o presidente do Banco Central veio dos quadros do PSDB.

Se a inflação se mostra estável, é a mesma coisa. Se as dívidas foram sendo pagas, idem. Se há superávit na balança comercial, idem. Se as exportações crescem exponencialmente, um trabalho foi feito lá atrás antes; e continua sendo feito agora, ressalte-se, pra não dizer que eu só falo mal. Ou alguém acha que nestes assuntos as coisas acontecem do dia pra noite, bastando alguém dizer “vamos acabar com a inflação, pagar as dívidas, ter superávit, exportar adoidado como nunca antes na história deste país”? É até cansativo eu ficar dizendo isso.

Há de se lembrar também que PT e Lula foram radicalmente contra a Lei de Responsabilidade Fiscal, que prevê limites para gastos de prefeituras e punição para quem não cumprir. Antes desta lei, era ano eleitoral chegando e prefeitinho gastando os tubos pra se reeleger ou fazer seu sucessor.

E o reconhecimento da China como “economia de mercado”, que quebrou muitas pequenas empresas têxteis brasileiras? (A China tem umas das piores condições de trabalho e direitos trabalhistas do mundo e remunera muito mal seus funcionários; vem daí os preços extremamente baixos de seus produtos.) E o dispositivo que deixa livre empresas estrangeiras de pagar alguns impostos, enquanto as brasileiras continuando pagando? Lula que fez.

A Petrobras foi outra usada propagandísticamente. “Somos auto-sustentáveis em petróleo”. Que nada. O Brasil ainda importa cerca de 15% do petróleo consumido internamente. O país seria auto-sustentável se a Petrobras parasse de exportar. Além disso, os dados mostram que o governo Lula investiu menos na estatal do que o governo anterior.

Com relação à saúde, o que vejo é o seguinte: quem depende de hospitais públicos, está ferrado. É claro que no governo FHC houve algum avanço, como no caso do combate à AIDS e na criação dos genéricos, mas ainda assim é pouco, muito pouco. A infra-estrutura é extremamente precária. Lula chegou a dizer que a saúde beirava a “perfeição” no Brasil. Não sei de onde ele tirou isso.

Uma grande crítica que se faz ao governo tucano diz respeito às privatizações. Na época, pensava de um jeito; hoje, penso de outra forma. As privatizações podem ter sido mal feitas, mas tinham que ser feitas. Grandes estatais induzem, por si só, à corrupção. E no Brasil, com os políticos que temos, isso se torna ainda pior. Quem não se lembra do Roberto Jefferson dizendo que Furnas era uma boquinha e tanto?

Com relação à privatização das estradas em São Paulo, tenho certeza absoluta de que se o Brasil inteiro adotasse o mesmo modelo, todos sairiam ganhando. Quem é empresário e depende das estradas vive reclamando das perdas que têm pelas más condições: quebra e sucateamento da frota de caminhões (o que encarece o frete), atrasos nas entregas, produtos estragados pelo atraso, os assaltos ficam mais fáceis etc. Já viajei o Nordeste inteiro de carro, e a grande maioria das estradas é uma bosta mesmo.

Alguém poderia contra-argumentar: mas e se o governo fizesse o papel da concessionária, que cobra os pedágios e fica responsável pela manutenção? Acredito que isso em pequena escala funcionaria, mas no todo não. Talvez um modelo misto fosse o ideal.

Com relação ao combate à pobreza. Concordo que programas como o Bolsa Família devam existir. Cristovam Buarque, quando estava no PT, surgiu com a idéia e a colocou em prática no Distrito Federal. Pelo que sei, Magalhães Teixeira (PSDB) fez a mesma coisa em Campinas. O governo FHC também adotou o programa. Lula englobou os programas sociais do governo passado e deu um novo nome: Bolsa Família. E tenta dizer que antes dele não havia nada. É mentira.

Contudo, deve-se aplaudir o fato de que o governo atual tenha aumentado o valor repassado. Mas ao mesmo tempo retirou o principal dispositivo do programa, que era a contrapartida exigida: a de que a família deveria manter os filhos na escola. Com isso, o que se cria é uma dependência e uma perigosa conexão populista. Se Lula quer melhorar a vida dos pobres, deveria dizer: “Façam seus filhos estudarem!” E investir muito em educação básica. O que ele faz? Fica dizendo que nunca estudou na vida e que agora é presidente da República. As coisas não são assim. Quem nasce miserável corre grandes chances de continuar miserável a vida inteira. E não virar presidente da República. Lula tem um pensamento torto. O que se esperava é que o governo criasse condições desse pobre miserável prosperar, e não ficar dependente do dinheirinho todo mês.

E há o ProUni, programa do governo federal que reserva vagas em faculdades privadas para a população de baixa renda, negros e indígenas. Faculdade não é lugar para se fazer isso. Além do perigo de ampliar a discriminação e colocar pessoas menos preparadas, o governo fica dando dinheiro pra um monte de faculdades picaretas espalhadas pelo Brasil. Além de dar dinheiro (o governo paga a bolsa do aluno), dá uma série de benefícios, como Imposto de Renda, CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido), PIS (Programa de Integração Social) e Cofins (Contribuição para o Programa de Integração Social). O correto seria investir em educação básica e dar condições dos pobres progredirem e conseguirem as coisas por si sós. Ou não? (O engraçado é que, na área cultural, o Ministério da Cultura chegou a cogitar a exigência de “contrapartida social” nos filmes que o Ministério apoiasse financeiramente. Bizarro.)

E a política externa? Como já estou me alongando muito, só vou citar o caso de Evo Morales, que montou em cima do governo brasileiro, passou por cima da Petrobras (enfiando exército no meio e o escambau) e agora quer desapropriar tudo o que a Petrobras fez por lá em 10 anos. O que governo fez? Nada, ou muito pouco. Foi molenga até onde deu. Só endureceu, ainda que muito leve, quando foi pressionado.

E ainda há, é claro, a corrupção e a desfaçatez dos petistas depois da principal crise do governo Lula, a crise do mensalão. Pra algumas pessoas, isso tudo é complô das elites, golpe branco, preconceito contra o presidente. E Lula não sabia de nada. Dizem que ele não foi ao debate porque não sabia, também. Coitado.

Quando não dava mais pra negar a corrupção, começaram a rifar os “companheiros”: Zé Dirceu, Silvio “Land Rover” Pereira, Delúbio Soares... O último a ser limado foi Hamilton Lacerda, assessor de Aloízio Mercadante, cuja candidatura negociou com os Vedoin dossiê contra José Serra. Mercadante, é claro, também não sabia de nada. E o Planalto fez o que pode para tentar esconder a dinheirama apreendida pela Polícia Federal.

Quando não dava pra negar os desvios, a desculpa sempre era: “Eles também roubaram.” Eles, os tucanos. Mas e daí? Isso é desculpa pra roubar também? É como se um ladrão dissesse: “Ei, mas roubo sempre existiu... os ladrões antigos também roubaram. Porque eu não posso?”

O PT adotou a política do enfiar a “mão na merda”. E ai de quem criticar – são todos golpistas de direita, fazem parte da elite preconceituosa que não aceita um presidente operário no poder.

Em que pese tudo isso, e eu poderia ficar aqui escrevendo durante horas e horas, voto amanhã em Alckmin. Esse governo não pode continuar impune a fazer as barbaridades que vem fazendo. Uma alternância agora é fundamental para o país.

UPDATE: Uma boa notícia. Ibope e Datafolha mostram que existem chances de um segundo turno ocorrer. Menos mal.

4 Comments:

Anonymous Anônimo disse...

Clap clap. Tá ótimo o texto. Ambos os governos não podem ser classificados como neoliberais já que 90% do que o John Williamson disse no livro sobre o Consenso de Washington não foi feito. Ou pior, foi feito ao contrário. O país mais neoliberal da AL é o Chile e não é a toa que é o melhor país do continente.

Houve algumas outras grandes falhas na gestão macro do governo Lula (como, por exemplo, o sucateamento das agências reguladoras. ser neoliberal é legal, mas tentar ser neoliberal e deixar as multinacionais sem NENHUM tipo de controle é burrice). Por outro lado, não dá para ignorar que o governo FHC abriu o país de uma forma estúpida (mirem-se no exemplo da Índia, idiotas) e aumentou a carga tributária de uma forma bem maior do que a equipe atual.

Quanto ao Bolsa Família, tendo a lamentar por enxergar que é um dinheiro que poderia ser INVESTIDO e não dado. Que fosse em educação, ou, ao menos, infra-estrutura. Mas investimento vai gerar emprego, coisa que esse programa-miséria não é capaz.

Abs
PS: Tá foda o blog. Bom mesmo.
Evidente que dentro desse arcabouço proposto, nenhum Guido Mantega chega aos pés do Pedro Malan. Mas, na boa, nenhum desses caras, nenhum, nenhum, vale muita coisa.

abs

30 setembro, 2006 22:34  
Blogger Carlos Eduardo Moura disse...

Valeu a visita, Zé.

Esse negócio de o Brasil ser "neoliberal" é foda mesmo. Todo mundo diz isso mas nem sequer sabe direito o que é.

E o teu blog, já era? Pra onde tá escrevendo?

Abraço.

02 outubro, 2006 15:46  
Anonymous Anônimo disse...

ERRATA:
"país seria auto-sustentável se a Petrobras parasse de exportar" Vc quis dizer IMPORTAR...

03 outubro, 2006 13:50  
Anonymous Anônimo disse...

Não, se parasse de exportar mesmo. A Petrobras exporta para fora (dã). Se parasse de exportar e jogasse esse exportável para consumo interno, aí sim seria auto-sustentável. Sacou?

Carlos

03 outubro, 2006 14:33  

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