sábado, março 03, 2007

Paulo Francis

Em minhas numerosas conversas com Paulo Francis, em Manhattan, dei-me conta de que ele, após um processo longo de desmistificação, havia percebido melhor que muitos economistas profissionais a receita misteriosa do desenvolvimento econômico: liberdade competitiva numa economia de mercado e entorno institucional e judiciário respeitador das regras do jogo. As ''riquezas naturais'', supostamente cobiçadas pelos imperialistas, não são fundamentais, pois o Japão enriqueceu sem elas. A educação não garante o progresso, pois a Rússia entrou em colapso anos após realizada a fórmula de Lenin: educação mais eletrificação. É importante a taxa de poupança, mas só se os investimentos não forem desperdiçados. A moeda estável seria uma condição necessária, porém não suficiente. Também o capitalismo não basta, a não ser que seja liberal e competitivo, pois são desastrosos os capitalismos de estado.

Tendo sofrido na base autoritária brasileira por seu fanatismo pelas liberdades políticas, passou nos Estados Unidos a ser um fanático também da liberdade econômica. Para trás ficaram as ingenuidades do Estado benfeitor, das estatais estratégicas, do controle social de preços e de mercado. Eram caipiragens retrógradas. De uma visão marxista do governo como um ''justiciador'', passou a uma visão nietzschiana do governo como um ''predador''. (...)

As crônicas que publicou, ao longo dos anos, sob a rubrica ''Diário da Corte'' eram um esquisito buquê de crítica literária e artística, análise política, palpitologia econômica e saborosa psicanálise de amigos e inimigos. Seu estilo era inconfundível e inimitável. Afinal de contas, há muitos escritores, mas poucos pugilistas de idéias. Deixa um vácuo em nossa paisagem literária. É uma pena...

Roberto Campos, 09/02/97, in “Folha de S. Paulo”