segunda-feira, agosto 06, 2007

Qual o valor do amanhã?

Ao lançar há dois anos o livro O Valor do Amanhã, o economista e filósofo Eduardo Giannetti não se dirigiu ao leitor habitual de sua área, alertando no prefácio tratar-se de uma obra destinada a leigos. A idéia que o animava era bastante simples: ele falaria de juros, sim, mas não da maneira árida como se espera de um economista. O sucesso do livro foi tanto que inspirou uma série de dez programas de curta duração (10 minutos) inseridos no Fantástico, da TV Globo, a partir do próximo domingo. Dirigido pela cineasta Isa Ferraz, a série pretende mostrar como a vida das pessoas - do brasileiro, em particular - é afetada pela falta de planejamento, como se fôssemos exterminadores do futuro. Giannetti parte do princípio que todo ser humano, independentemente de sua conta bancária, é um economista intuitivo. Só que pode estar alocando recursos em lugar errado.

Matéria completa do "Estadão" aqui.

Acho que será uma série bem interessante, como foi a do Marcelo Gleiser sobre astronomia. Li o livro do Giannetti no começo do ano. Posso dizer que ele mudou um pouco a minha forma de pensar sobre algumas coisas. Giannetti não trata, no livro, de juros como uma instituição inventada por banqueiros gananciosos que querem explorar os outros; mas sim como uma coisa natural. As indagações principais são: viver o dia e simplesmente não se preocupar com o amanhã ou viver cada dia pensando no amanhã? Abrir mão de algo no presente pensando no futuro ou usar todo o disponível no presente da melhor forma possível? Viver agora e pagar depois ou pagar agora e viver depois?

(A partir daqui, segue um texto que fiz logo depois de ler o livro. Não sei porquê, devo ter esquecido, nunca publiquei-o aqui. Vai agora.)

Giannetti demonstra que o conceito de juros vai além do modelo praticado no mercado financeiro. A idéia de juros, diz ele, está presente em diversos processos naturais. A formação de gordura é um exemplo. Nosso corpo armazena calorias em excesso para consumo futuro, funcionando como uma espécie de “poupança” precaucionária.

O envelhecimento é outro exemplo. Nossos genes estão programados para dar seu melhor durante a juventude, ainda que isso implique custos futuros. A conta é descontada na velhice, com a decadência do corpo (senescência). “A plenitude do corpo jovem se constrói às custas da tibieza do corpo velho”, resume Giannetti. Viver agora, pagar depois.

Há uma boa razão para que nossas células dêem o seu melhor o quanto antes: a vida no ambiente natural pode ser extremamente arriscada e o perigo de morte acidental ou em brigas pela sobrevivência é grande.

Nosso passado ancestral exigia grande vigor físico no presente. Por isso, “o corpo jovem toma recursos adiantados do corpo velho, faz a festa, canta a vida, lança fogos e balões a que tem direito e empurra o ônus da dívida para o amanhã”.

Mas o ser humano não se resignou à sua condição natural. Ao passar dos anos, ele se distanciou do seu passado ancestral primitivo e passou a fazer escolhas pensando no futuro, de forma mais ou menos sistemática. “O pano de fundo dessa mudança radical foi a ampliação da percepção do tempo – um extraordinário alargamento da faculdade de imaginar o futuro e reter na memória a experiência passada visando conhecer e modificar o amanhã”, explica o autor.

Mundo vegetal
Ainda no terreno da biologia, o mundo vegetal, pródigo em poupar e mudar tendo em vista sua sobrevivência, dá outros exemplos. Algumas plantas e árvores, antes de iniciarem a desfolha, têm o cuidado de evacuar das folhas seu conteúdo, absorvendo assim os nutrientes – sais minerais e nitrogênio – em seu metabolismo. Esses vegetais estocam esses recursos no tronco ou no caule para uso futuro.

Árvores frutíferas também têm outro mecanismo interessante. Para elas, apenas produzir sementes não basta. É preciso espalhá-las para que possam germinar. Diz o autor: “Elas (as frutas) clamam, por assim dizer, por serem comidas e saboreadas, mas não sem antes fixar uma condição crucial.”

“As árvores que dão frutos não se limitam a praticar a arte e o engenho da paciência em seu metabolismo – elas ensinam aos animais o saber esperar.” A fruta madura é aquela cujas sementes estão no ponto certo para serem espalhadas por animais e insetos. Quando verdes ou passadas, têm gosto amargo. Quando maduras, são a recompensa que os vegetais oferecem aos que, agindo no momento certo, involuntariamente contribuem para a manutenção do seu ciclo reprodutivo.

Vida breve
Apesar de não sabermos por quanto tempo viveremos, pensar no futuro é uma necessidade humana. Escolhas têm de ser e são feitas todos os dias. Mas que peso atribuir ao futuro, em contraposição ao momento? Seria mais interessante colocar “mais vida em nossos anos” ou “mais anos em nossas vidas”?

Nos últimos tempos, registrou-se um rápido aumento da longevidade. Nunca foi tão importante planejar a vida para daqui a 30 ou 40 anos. A média de esperança de vida mundial passou de 53 anos em 1960 para 67 anos nos dias de hoje. A esperança de vida aumentou mais nas quatro últimas décadas do que nos 4 mil anos precedentes (impressionante este dado, não?). Quem nasce hoje vive quase o dobro do que vivia alguém nascido no início da revolução industrial do século XVIII.

E viver por mais tempo quer dizer estar preparado para uma nova vida depois da aposentadoria. “Um repensar de valores e formas de vida e um conjunto de providências práticas que dizem respeito à maturidade e à velhice mas deveriam se fazer presentes desde as etapas formativas da infância e juventude”, diz Giannetti.

Miopia e hipermetropia
No livro, Giannetti aborda também os fenômenos de miopia e hipermetropia temporais. No primeiro caso, é quando o indivíduo atribui um valor demasiado ao presente, em detrimento daquilo que está mais à frente. Com a hipermetropia é o contrário, ou seja, quando é atribuído valor excessivo ao amanhã, em prejuízo do presente.

De um lado, o sujeito que vive apenas o presente sem se importar muito com o futuro e do outro o que se preocupa com o futuro ao invés de pensar mais no presente.

Tornar-se um poupador inveterado e guardar tudo para o amanhã pode ser arriscado. O dinheiro, um recurso que, em tese, deveria melhorar a vida no presente, pode vir a tornar-se um senhor tirânico. Em nome do quê tamanho apego ao dinheiro?

No outro oposto, viver em um eterno carpe diem também pode ser igualmente arriscado. Afinal, o futuro pode ser extremamente árido e doloroso para os imprevidentes que não planejaram a vida para uma existência mais longa.

Bom, eu vou parando por aqui. Assistam à série. Acho que vai valer a pena.

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